Se o mundo está envelhecendo, o Brasil não foge à regra. O acelerado processo de envelhecimento populacional se acentuou em nosso país a partir da metade do século 20. Veja alguns números comparativos, assustadores: a população jovem era de cerca de 42% em 1940, enquanto que os idosos representavam apenas 2,5% da população. Pois no senso de 2010, o IBGE mostrou que a população jovem caiu para meros 24%, enquanto os nossos idosos já somavam 12% (mais de 20 milhões de pessoas com mais de 60 anos). E dados do estudo SIS 2015 (Síntese de Indicadores Sociais – IBGE) aponta que, em 2015 o percentual de idosos já estava em 14,3% e subindo. O que reforça a tese de que, em 2050, 30% da população brasileira terá mais de 60 anos – cerca de 64 milhões de brasileiros. E para apimentar o quadro, temos que considerar que a expectativa de vida dessa população saltará dos atuais 75 anos para 81, muito superior ao previsto para o mundo, que é de 78 anos. Nosso país será um dos 10 mais idosos do mundo, a frente de gente grande como Rússia, Estados Unidos e outros.
Apesar desse cenário concreto bater em nossa porta, salvo atitudes esparsas de algumas prefeituras, se percebe pouca mobilização social ou institucional relevante de inclusão do idoso. Menos ainda no tocante ao resgate do seu valor social, perdido com a modernização. Envelhecer já foi algo extraordinário, em épocas onde, por volta dos séculos 16 ou 17, a expectativa de vida não ultrapassava 40 anos. Por isso, o idoso era considerado um sábio.
O pior calvário para um idoso em nosso “mundo moderno” é, sem sobra de dúvida, a perda da independência. E, nesse aspecto, envelhecer virou uma inglória batalha pela vida, comparável a adoecer. Dentro desse contexto, um dos mais perversos e preocupantes efeitos colaterais dos novos tempos tem a ver com a violência contra o idoso. Para entender melhor o tema, a OMS (Organização Mundial de Saúde, 2002) define violência contra o idoso como “um ato de acometimento ou omissão, que pode ser tanto intencional como involuntário. O abuso pode ser de natureza física ou psicológica ou pode envolver maus tratos de ordem financeira ou material. Qualquer que seja o tipo de abuso, certamente resultará em sofrimento desnecessário, lesão ou dor, perda ou violação dos direitos humanos e uma redução na qualidade de vida do idoso. ”
Não por acaso, a própria OMS considera que a violência contra o idoso é um dos piores problemas de saúde pública dos últimos tempos, dado o seu enorme crescimento e devido ao alto grau de interferência na qualidade de vida da população. No Brasil, a realidade é alarmante. Dados da Secretaria de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida do Rio de Janeiro apontam que, há cada 10 minutos, um idoso é agredido em nosso país e, pasme, em mais de 50% das intercorrências o agressor é o próprio filho. Uma contradição absurda, considerando o fato de que, em nosso perfil social, a família se constitui no principal sistema de suporte ao idoso. A violência é manifestada por meio das mais variadas e cruéis formas, tais como cárcere privado, roubo, espancamento, abandono, submissão a situações humilhantes e uma série de outros atos.
Segundo o estudo “Prevalência da violência contra o idoso no Brasil: revisão analítica” (Inayara Santana, UFRB), diversos artigos tentam explicar os motivos pelos quais a violência contra o idoso acontece, ainda que não apresentem qualquer modelo teórico específico, ainda que apresentem algumas dicas: relação de dependência financeira entre agredido e agressor, instabilidade psicológica do agressor, uso de drogas, cuidador com alguma história de violência doméstica e/ou o próprio estado psiquiátrico e psicológico do idoso são apontados como motivadores mais frequentes.
E o aspecto complicador é que raramente o idoso consegue superar o vínculo com o agressor, afinal como quebrar o laço com quem deveria ser provedor de amor, solidariedade e conforto? Não por acaso, maior parte das denúncias sobre atos violentos contra idosos que chegam ao 181 são anônimas.
Segundo a especialista em cuidados com o Idoso, a Enfermeira e Sócia-Proprietária do Grupo Cuidar, Daniela Suzuki, um ponto importante é separar negligência de abuso. Segundo Daniela, são dois temas graves, porém com motivações, agressores e riscos diferentes.
“Atos negligentes podem, muitas vezes, ser resolvidos quando a família demonstra interesse por orientação e amparo sobre como lidar com o idoso. Em nossa experiência, vemos que nem sempre o familiar percebe a agressão. Ela se dá simplesmente pelo desconhecimento e não por um ato de crueldade intencional. Nesse caso, o Cuidador, bem como outros membros da família, podem ser devidamente treinados e acompanhados por especialistas no assunto. ”, reflete Daniela.
Mais importante e recente conquista para quem tem mais de 60 anos, o Estatuto do Idoso, criado em 2003, determina em seu artigo 99, prisão de dois meses a um ano, com pagamento de multa para quem atentar contra a integridade física e psicológica de um idoso. Quando a agressão envolve lesão corporal grave, a pena sobe para de um a quatro anos, podendo agravar para 12 anos em caso de morte do idoso, sem chance de suspensão condicional neste último caso. E a lei prevê também o caso de omissão para o profissional de saúde, que pode ser penalizado em multas 500 a 3.000 mil reais, dependendo da gravidade do ato não relatado imediatamente às autoridades. Os conselhos municipais e regionais, além das delegacias de proteção ao idoso estão aí para isso, mas de nada adiantarão sem um firme posicionamento da sociedade sobre a vigília e a denúncia, sem o qual não existe qualquer ideal de respeito e proteção.
Vivemos mais, graças ao avanço nas áreas de pesquisa, medicina e saúde, que fará com que o envelhecimento seja percebido com cada vez mais naturalidade. Porém não é da cultura do brasileiro fica pensando sobre como vai passar pelos seus derradeiros anos e nem fazer planos de prevenção. Numa roda de amigos, se alguém diz “tenho que pensar na minha velhice”, a reação mais comum é a percepção de que a pessoa cultiva pensamentos negativos ou autodestrutivos e que “deveria viver intensamente o hoje”. Essa não perspectiva leva invariavelmente o idoso a uma redução de seu padrão de vida, diminuindo-se as chances de uma melhor estrutura para suas necessidades. Especialistas apontam que a solução para isso é o treinamento de pessoas comuns (normalmente familiares ou empregados domésticos) em condições de desempenhar o papel de cuidadores. Com certeza, esta será uma tendência, num cenário nada promissor, mas que só tende a se ampliar.
Daniel Carvalho de Souza Empresário, Professor e Escritor na área da Saúde Sócio da Cognin Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas